Qual música mudou seu mundo?

Você já parou pra pensar em suas memórias musicais? O Dia Mundial do Rock me fez refletir sobre meu primeiro contato com o estilo, bandas preferidas e momentos importantes que o balançar e rolar pôde me proporcionar ao longo do tempo. Eu sempre utilizo o Rock in Rio 3, em 2001, como um divisor de águas em minha vida. Foi o primeiro show em que fui e onde, pela primeira vez, deslumbrei novos conceitos de liberdade. O choque daquele garoto almofadinha recém chegado do interior ao testemunhar e vivenciar a exaltante transgressão do roquenrou foi transformador e libertador. Minhas perspectivas mudaram por completo desde então.

Mas e antes disso tudo, ainda no século passado?

Meu primeiro contato com a música é uma das mais antigas memórias que possuo. Ainda estava em Natal-RN, onde morei a maior parte dos meus primeiros três anos de vida e me propiciou aquele sotaque gostoso que, mesmo com o atual carioquês profundo, retorna facilmente ao menor contato nordestino.

Álbum 'No Tempo do Bambolê', com rockabillies e afins.

Álbum ‘No Tempo do Bambolê’, com rockabillies e afins.

Minha mãe possuía três discos de vinil. O primeiro era um álbum com a trilha sonora nacional da novela Top Model, que me marcou com Oceano, do Djavan, e a versão de Hey Jude, do Kiko Zambianchi, mas também contava com canções do Kid Abelha – ainda com os Abóboras Selvagens – Rita Lee, Lobão, Léo Jaime, Marina – ainda sem o Lima – e outros. O segundo, um disco com rockabillies antigos, como La Bamba, Sugar Sugar, Broto Legal, Ob-La-Di, Ob-La-DaBiquini de Bolinhas Amarelinho e Banho de Lua – estas duas últimas cantadas por Celly Campello, a quem homenageei batizando minha guitarra, a Celly. E por último, mas não menos importante, um disco da Clemilda, com seu forró cheio de duplo sentido e clássicos como Forró Cheiroso (Talco no Salão), Prenda o Tadeu, Seu Tuzinho e muito mais. Ainda por lá, não posso esquecer de citar a LAMBADA! Ahh, muita seduzência ao som de Kaoma e Beto Barbosa!

Porém, também tive muito contato com os clássicos infantis dos anos 80, carregados de influências roqueiras. Balão Mágico, Xuxa, Trem da Alegria, Vovó Mafalda e outros embalaram minha primeira infância. Lembro de trocar fitas cassetes com o Valtinho, meu vizinho, já que cansávamos de ouvir sempre as mesmas que tínhamos. Vinil era muito caro e as K7s eram opções bem mais em conta – as piratas ainda mais, uma bagatela no camelô e na feira dominical de Nilópolis.

Com aproximadamente três anos de idade, me mudei para Macaé, que naquela época ainda preservava suas características de cidade interiorana. Minha mãe trabalhava e me deixava com uma babá, a Elza. Hoje, relembrando o passado, consigo avaliar como Elza foi uma pessoa importante na minha construção enquanto indivíduo e cidadão, além de musicalmente. Seu radinho de pilha fora a trilha de muitas manhãs entoando os sucessos sertanejos da época – Chitãozinho & Xororó, Zezé de Camargo & Luciano e Leandro & Leronardo, sua dupla preferida.

Quando tinha uns sete anos, meu vizinho ouvia Era um garoto que como eu amava os Beatles e os Rolling Stones, na versão dos Engenheiros do Hawaii, e tentava acompanhar sofrivelmente com sua guitarra. Só fui ouvir novamente e saber de fato quem tocava esta música muito mais tarde – Engenheiros foi uma das minhas bandas preferidas na adolescência. Foi algo muito marcante na minha infância – quiçá traumático, pois era seriamente ruim.

Em meados da década de 90, rolou a primeira Copa do Mundo de Futebol que de fato assisti. Bebeto e Romário, tetracampeonato, muito churrasco e uma verdadeira tsunami pagodeira: Raça Negra, Grupo Raça, Negritude Júnior, Só Pra Contrariar, Molejo, Art Popular… Também rolava uma tendência de Dance Music com Sweet Dreans e Be My Lover do La Bouche, Scatman John, algo ainda de MC Hammer e Snap… Êêêêê Macarena!

Fita cassete do Mamonas Assassinas.

Fita cassete do Mamonas Assassinas.

Pouco após este período, quando tinha uns 10 anos de idade, surgiram os Mamonas Assassinas, me cooptando de vez para o rock, ainda que otimamente zoeiro. Lembro de outras músicas também daquela época, como Sorte na Vida, do Cidade Negra; Presente de um Beija-Flor, do Natiruts (ainda Nativus na época); Skank; Daniela Mercury; e outros. Também neste mesmo período surge o funk nas rádios e na grande mídia: Rap do Pintinho, Dança da Cabeça, Rap do Silva, Eu Só Quero É Ser Feliz, Estrada da Posse etc. Também surgem duplas de MCs, como Márcio & Goró e Claudinho & Bochecha, e se destaca o MC Marcinho. E, por fim, explode o axé, rompendo supostamente padrões da família tradicional brasileira – pero no mucho ou nada, vide a misoginia e objetificação latente envolvida.

Também neste período, surgem as paródias e músicas que habitavam as escolas e todas as suas excursões: Como é que eu posso vomitar batata se eu comi repolho, baseada em Brincar de ser Feliz, de Chitãozinho & Xororó; Sabe quem perguntou por você, baseada em Pensamento Verde, do Molejo; Sabão Cracrá e Sábado de Sol, dos Mamonas Assassinas; Roubou pão na casa do João; A Barata da Vizinha, do Só Pra Contrariar; A Perereca da Vizinha, da Dercy Gonçalves; e tantas outras!

Por último, não posso deixar de mencionar uma propaganda de TV fundamental não só para a ampliação da visão de mundo, da empatia e da sensibilidade perante a diversidade, mas também para desconstruir meus preconceitos. O comercial do Carlinhos usou com sucesso o preconceito internalizado do telespectador diante da síndrome de down para desconstruí-lo. Um verdadeiro tapa na cara ao som de Fake Plastic Trees, do Radiohead, que viria ser minha banda preferida até hoje.

Bem, depois deste choque geracional, já neste século pós bug do milênio e fins de mundo, construí minha coleção de CDs, passei por uma fase de rockeiro chato e, hoje, tenho o maior prazer em conhecer novos sons, descobrir novas bandas e ampliar perspectivas musicais, tanto as minhas quanto a de quem também prefere ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.

Tenho certeza que todos se lembram de momentos musicais importantes para a formação pessoal, de trilhas que marcaram momentos importantes ou de canções que traduzem sentimentos latentes de ontem e de hoje. E aí, qual música mudou seu mundo?

Rennan Cantuária é estudante de Ciências Sociais, coordenador do Nilópolis Debate e militante do Núcleo Emílio Araújo (PSOL).

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